Alterações introduzidas pela Resolução BCB nº 477/2025 à Resolução BCB nº 265/2022

Alterações introduzidas pela Resolução BCB nº 477/2025 à Resolução BCB nº 265/2022

A Resolução BCB nº 265, de 25 de novembro de 2022, estabeleceu diretrizes para a estrutura de gerenciamento integrado de riscos, gerenciamento de capital e política de divulgação de informações aplicáveis aos conglomerados prudenciais Tipo 3 enquadrados nos segmentos S2, S3 e S4. Em termos simples, instituições Tipo 3 correspondem a conglomerados liderados por instituição de pagamento que integram também instituições financeiras tradicionais, posicionados entre os bancos de grande porte (S1) e os de menor porte (S5). O objetivo original dessas normas foi equiparar os requerimentos prudenciais desses conglomerados liderados por fintechs ou instituições de pagamento às exigências já aplicáveis aos conglomerados liderados por bancos tradicionais, respeitando o princípio da proporcionalidade.

Em 30 de maio de 2025, o Banco Central do Brasil (BCB) publicou a Resolução BCB nº 477/2025, alterando pontos-chave da Resolução BCB nº 265/2022. As mudanças focam principalmente no aprimoramento da gestão do risco de liquidez para essas instituições Tipo 3 (S2, S3 e S4), reforçando pilares de governança prudencial e alinhando a regulação brasileira aos padrões internacionais de Basileia III. As novas exigências entram em vigor em 1º de setembro de 2025, concedendo um período de adaptação para as instituições impactadas. A seguir, detalhamos as principais alterações introduzidas pela Res. BCB 477/2025, destacando seus impactos práticos.

Adequação do perfil de captação ao risco de liquidez dos ativos

Uma das alterações centrais está na explicitação da necessidade de manter um perfil de captação de recursos compatível com o risco de liquidez dos ativos da instituição (incluindo exposições fora do balanço). Em outras palavras, a estrutura de funding dos conglomerados Tipo 3 deve estar alinhada aos prazos e à liquidez de seus ativos e obrigações contingentes, de forma a evitar descasamentos perigosos. A Resolução 477/2025 tornou este princípio uma obrigação expressa: as instituições passam a ter o dever de manter uma composição de passivos (fontes de recursos) que seja adequada ao grau de liquidez de seus ativos, considerando também compromissos potenciais não registrados contabilmente. Essa medida induz os bancos de médio porte e fintechs regulados como Tipo 3 a planejarem melhor o prazo e estabilidade de suas fontes de recursos (como depósitos, emitindo títulos ou obtendo linhas) em relação à liquidez de suas carteiras de crédito, investimentos e outras exposições. Em última análise, busca-se reduzir o risco de a instituição enfrentar problemas para honrar obrigações por depender de fontes de captação incompatíveis com a liquidez de seus ativos.

Diversificação das fontes de captação de recursos

Complementando o ponto anterior, a Resolução BCB 477/2025 reforça a necessidade de diversificação apropriada das fontes de captação de recursos pelas instituições Tipo 3. Antes, a diversificação de funding já era uma boa prática recomendada; agora torna-se um requisito normativo explícito. Diversificar as fontes de recursos significa evitar dependência excessiva de um único tipo de funding ou de poucos provedores de recursos. Por exemplo, uma instituição não deve financiar suas operações apenas via depósitos de curtíssimo prazo ou apenas com um único investidor/fundo – em vez disso, deve buscar uma base de captação variada (depósitos a prazo de diferentes vencimentos, emissão de Letras Financeiras, linhas de crédito com instituições diversas, etc.). A diversificação mitiga riscos de liquidez, pois amplia as alternativas de funding disponíveis em cenários de estresse – caso uma fonte se torne inviável ou muito onerosa, outras podem suprir a necessidade. Com a alteração introduzida pela Res. 477, os conglomerados Tipo 3 precisarão revisar suas políticas de passivos para assegurar que há um equilíbrio saudável de fontes de financiamento, reduzindo a concentração e aumentando a resiliência frente a choques de mercado ou saídas abruptas de recursos.

Transferências internas de liquidez no conglomerado

Uma inovação importante trazida pela Resolução 477/2025 é a ênfase na transferência tempestiva de liquidez entre as entidades que compõem um mesmo conglomerado prudencial (transferências intragrupo). A norma agora requer que as instituições Tipo 3 adotem políticas, estratégias e processos que assegurem a rápida mobilização de recursos líquidos entre as empresas do conglomerado, sempre que necessário, tanto em condições normais quanto em cenários de estresse. Em outras palavras, se uma determinada empresa do grupo (por exemplo, uma instituição de pagamento líder ou uma financeira controlada) enfrentar pressão de liquidez, deve haver mecanismos e acordos internos que permitam socorro ágil por outra entidade do mesmo grupo que disponha de excedente de caixa. Essa alteração formaliza o conceito de gestão integrada de liquidez em nível de conglomerado: os excessos de liquidez de uma entidade devem poder cobrir déficits de outra, desde que isso ocorra de forma estruturada e dentro dos limites regulatórios. O reforço desse ponto pelo BCB decorre de lições de episódios de crises, em que estruturas engessadas ou falta de previsão contratual dificultaram a alocação eficiente de liquidez dentro de grupos financeiros. Com a mudança, espera-se que as instituições Tipo 3 implementem ferramentas (como acordos de fluxo de caixa intragrupo, lines of credit internas, contas centralizadoras ou cash pooling) e planos de contingência para efetivar essas transferências de forma oportuna e segura em momentos críticos. Vale notar que, embora a liquidez possa circular internamente, tais operações continuam sujeitas a monitoramento pelo regulador, devendo respeitar normas de movimentação de recursos entre empresas do conglomerado.

Identificação de impedimentos a transferências internas de liquidez

Como corolário do tópico anterior, a Resolução BCB nº 477/2025 acrescentou dispositivos obrigando as instituições a mapearem barreiras ou restrições que possam impedir ou atrasar as transferências internas de liquidez. Em termos práticos, as instituições Tipo 3 devem identificar tempestivamente quaisquer restrições de caráter societário ou contratual, bem como impedimentos legais e regulamentares, que possam limitar essas movimentações de recursos dentro do conglomerado. Exemplos de impedimentos a serem avaliados incluem: cláusulas de contratos de dívida que proíbam transferência de fundos para outras empresas do grupo; restrições previstas em acordos de acionistas; exigências regulatórias que imponham retenção de liquidez em determinada entidade; ou mesmo barreiras fiscais e jurídicas para envio de recursos ao exterior. A partir da identificação dessas barreiras, a instituição deve estabelecer medidas mitigadoras para reduzir seus efeitos. Essas medidas podem envolver renegociar cláusulas contratuais restritivas, constituir colaterais ou garantias que facilitem empréstimos intragrupo, manter colchões de liquidez adicional em certas entidades onde a transferência seja menos ágil, ou estruturar mecanismos formais (p. ex. acordos de crédito intra-grupo pré-aprovados) para contornar obstáculos legais. A exigência de mapeamento e mitigação de impedimentos visa garantir que, no momento em que a liquidez precisar circular dentro do conglomerado, nenhuma surpresa jurídica ou contratual impeça a resposta rápida. Esse enfoque preventivo aumenta a confiabilidade do plano de contingência de liquidez, pois antecipa e trata possíveis pontos de falha na alocação de recursos entre as empresas do grupo.

Considerações sobre jurisdição e conversibilidade de recursos

Por fim, a Resolução 477/2025 trouxe um esclarecimento conceitual relevante: a definição de "jurisdição" no contexto do gerenciamento de liquidez. Ficou explicitado que, para fins das normas prudenciais, “jurisdição” refere-se ao perímetro de atuação de uma autoridade regulatória, geralmente correspondendo a um país ou região monetária específica. Essa clarificação importa porque um conglomerado financeiro pode operar em múltiplas jurisdições – por exemplo, tendo subsidiárias ou operações no exterior – e cada jurisdição pode impor regras distintas que afetam a livre movimentação de liquidez. Assim, a gestão de risco de liquidez de um grupo Tipo 3 agora deve considerar separadamente os riscos e restrições em cada jurisdição onde o conglomerado opera, bem como em cada moeda relevante. Em linha com as práticas já aplicadas aos grandes bancos, a instituição precisa observar eventuais limites à transferência de liquidez entre países ou obstáculos à conversibilidade de moedas, como controles cambiais, sanções, requisitos de capital local ou outras imposições de autoridades estrangeiras. Ao explicitar o conceito de jurisdição, a norma reforça que o risco de liquidez não é apenas doméstico: uma mesma instituição pode estar saudável em termos de liquidez no Brasil, mas enfrentar dificuldade em mobilizar esses recursos para cobrir necessidades de uma afiliada no exterior devido a barreiras regulatórias externas. Portanto, a política de liquidez deve abranger também essas nuances internacionais, assegurando conformidade em cada território e planos de contingência que respeitem os limites de cada jurisdição.

Conclusão

Em resumo, as alterações introduzidas pela Resolução BCB nº 477/2025 aprimoram significativamente o arcabouço de gestão de liquidez para instituições financeiras de porte intermediário (Tipo 3 nos segmentos S2, S3 e S4). Os novos dispositivos exigem dessas instituições uma postura mais proativa e robusta: desde planejar o funding de forma alinhada aos riscos de liquidez de seus ativos, passando por diversificar suas fontes de financiamento, até garantir mecanismos eficazes de suporte mútuo de liquidez dentro do conglomerado. Também fica evidente a preocupação do regulador em remover obstáculos (sejam internos ou externos) que possam comprometer a rápida mobilização de recursos em momentos de necessidade. Com essas medidas, o Banco Central reforça os pilares de prudência e resiliência no sistema financeiro, buscando evitar no segmento intermediário problemas que já são mitigados nos grandes bancos. As instituições abrangidas terão até setembro de 2025 para ajustar políticas, sistemas e contratos a fim de cumprir as novas exigências. A expectativa é de que, ao cumprir tais requisitos, esses conglomerados estejam melhor preparados para enfrentar situações de estresse de liquidez, reduzindo riscos tanto para as próprias instituições quanto para a estabilidade financeira sistêmica do país.