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Mais que uma despedida da Resolução 2682 sobre provisão de perdas, as Resoluções CMN 4966/ BCB 352 também são uma despedida à Circular 3.068 que até então regia a classificação dos títulos e valores mobiliários de acordo com a intenção de uso desses títulos pela entidade.
Desde 2001, vínhamos registrando os títulos pelo valor efetivamente pago, incluindo corretagens e emolumentos e classificando-os da seguinte forma:
- Se a entidade tinha o propósito de negociar os títulos de forma ativa e frequente, a classificação era títulos para negociação.
- Se a entidade possuía capacidade financeira para manter os títulos até o final para resgatá-los com os juros contratuais, a classificação era títulos mantidos até o vencimento.
- Se a entidade não tinha a intenção de apenas negociar, ou de apenas de manter até o vencimento, a classificação era títulos disponíveis para a venda.
Repare que a classificação se baseava no objetivo da entidade com aquele título. Em nenhum momento a norma se preocupava com a volatilidade no resultado que o título poderia trazer à entidade ou mesmo algum descasamento contábil para a escolha da classificação.
Por outro lado, havia uma preocupação maior com a capacidade financeira da empresa em manter os títulos, principalmente com os títulos classificados como mantidos até o vencimento. Para isso era exigido a comprovação com base na projeção do fluxo de caixa dos títulos mantidos até o vencimento.
Com a vigência das Resoluções CMN 4966 e BCB 352, as entidades devem classificar seus títulos de acordo com o modelo de negócio escolhido pela entidade para a gestão dos instrumentos financeiros.
Mas afinal, o que vem a ser o modelo de negócio?
Mais que uma decoreba de VJR, VJORA e CA, o modelo de negócio trata do modelo de gestão do fluxo de caixa adotado pela instituição para seus instrumentos financeiros. Com isso, entende-se que o Banco Central está olhando mais para a forma em como a entidade quer obter o retorno com os instrumentos financeiros, ou seja, um olhar mais para a forma em como a entidade obtém seus resultados, do que simplesmente uma mera intenção do uso do título.
Prova disso é a primeira classificação a ser entendida para o instrumento financeiro que é a aprovação ou não no teste SPPJ. Trata-se de um teste que avalia se, com a gestão do fluxo de caixa escolhido para aquele instrumento financeiro, o resultado daquele instrumento será constituído somente de pagamento de principal e juros (SPPJ).
Dessa forma, para uma instituição que possui essa opção de gestão para seus instrumentos financeiros, é esperado que seus resultados não apresentem uma alta volatilidade. Com isso, o Banco Central criou premissas para serem consideradas no teste SPPJ sempre voltadas para a volatilidade do resultado da instituição com os ativos financeiros que incluem a análise do acordo de empréstimo básico:
- O ativo financeiro para atender ao teste SPPJ deve ter sua gestão de fluxo de caixa consistente com um acordo de empréstimo básico.
- Para ser consistente de acordo um contrato de empréstimo básico o ativo não deve possuir componentes, considerando a taxa de juros, que gerem volatilidade nos fluxos de caixa contratuais ou exposição a riscos inconsistentes com um contrato de empréstimo básico.
- Os fluxos de caixa gerados por taxas de juros alavancadas não são consistentes com um acordo de empréstimo básico.
Uma forma de verificar a consistência do contrato, é comparando a volatilidade do resultado no estágio atual com os resultados obtidos no início do contrato.
Com o raciocínio voltado para volatidade do fluxo de caixa escolhido para o instrumento financeiro, fica mais fácil de classificar o instrumento financeiros conforme seu modelo de negócio.
Em sequência, considerando que o modelo de negócio é a forma que a entidade gerencia os fluxos de caixa dos instrumentos financeiros e sabendo se o instrumento obedece ou não o teste SPPJ, é dado o próximo passo para efetuar a classificação dos ativos financeiros nas seguintes categorias:
- Custo amortizado (CA): ativo financeiro gerido dentro de modelo de negócios cujo objetivo é manter ativos financeiros com o fim de receber os respectivos fluxos de caixa contratuais e os fluxos de caixa futuros contratualmente previstos constituem-se somente em pagamentos de principal e juros sobre o valor do principal, em datas especificadas.
- Valor justo em outros resultados abrangentes (VJORA): ativo financeiro gerido dentro de modelo de negócios cujo objetivo é gerar retorno tanto pelo recebimento dos fluxos de caixa contratuais quanto pela venda do ativo financeiro com transferência substancial de riscos e benefícios e os fluxos de caixa futuros contratualmente previstos constituem-se somente em pagamentos de principal e juros sobre o valor do principal, em datas especificadas.
- Valor justo no resultado (VJR): demais ativos financeiros.
Mas e a análise da venda do instrumento?
A venda do ativo é uma forma de obtenção de fluxo de caixa. A análise da venda do ativo vai muito em linha com a ideia da volatilidade de fluxos de caixa.
Em um fluxo de caixa que possui pagamentos periódicos e rentabilidade de acordo com a taxa contratual, espera-se uma certa estabilidade em seus resultados que são previstos. Já vender o ativo ou parte dele, de forma frequente e material, traz uma volatilidade aos resultados desse ativo, e desta forma, deixa de ser semelhante a um acordo de empréstimo básico.
Quando um ativo deixa de ser semelhante a um acordo de empréstimo básico, deixa também de atender ao teste SPPJ, e, dessa forma, deve ser classificado como VJR.
Deve-se observar, no entanto, que não é toda e qualquer venda que fere o teste SPPJ. Vendas esporádicas para fins de gerenciamento de risco ou ao final do período do instrumento o qual teve em sua grande parte apenas pagamento de principal e juros, não fere o teste.
Esse entendimento já estava no IFRS 9 (e refletido no CPC 48), que é a norma mãe da Resolução CMN 4966 e BCB 352:
B4.1.3B As vendas que ocorrem por outros motivos, tais como vendas realizadas para gerenciar risco de concentração de crédito (sem aumento no risco de crédito da entidade), também podem ser consistentes com o modelo de negócios, cujo objetivo é manter ativos financeiros para receber fluxos de caixa contratuais. Particularmente, essas vendas podem ser consistentes com o modelo de negócios, cujo objetivo é manter ativos financeiros para receber fluxos de caixa contratuais, se essas vendas não forem frequentes (ainda que significativas em valor) ou insignificantes em valor, tanto individualmente, quanto no total (ainda que frequentes).[...] (CPC 48)
Como regra de bolso, para verificar se vendas ferem ao teste SPPJ, deve-se observar se essas vendas são frequentes e materiais.
Em suma, esses são os principais pontos que devem ser levados em conta para avaliar o modelo de negócio de uma entidade e a classificação dos ativos financeiros e damos adeus à nossa querida Circular 3.068, que possuía uma visão mais simples para a classificação dos títulos e valores mobiliários, mas que ficou ultrapassada com o tempo e com o desejo de nos adequarmos às normas internacionais.
Referências
- CPC 48 – Instrumentos Financeiros
- Resolução CMN nº 4966/21
- Resolução BCB nº 352/23