Resolução BCB nº 474/2025: Novas Regras de Capital e Ajustes de Avaliação Patrimonial

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Resolução BCB nº 474/2025: Novas Regras de Capital e Ajustes de Avaliação Patrimonial

Em 22 de maio de 2025, o Banco Central do Brasil (BCB) editou a Resolução BCB nº 474/2025, atualizando normas prudenciais de capital. Essa resolução altera a Resolução BCB nº 199/2022 – marco regulatório que estabelece a metodologia de cálculo do Patrimônio de Referência (PR) das instituições financeiras e de pagamento – com foco especial no tratamento dos ajustes de avaliação patrimonial. Os ajustes de avaliação patrimonial correspondem essencialmente a ganhos ou perdas não realizados registrados diretamente no patrimônio líquido (em contas de outros resultados abrangentes) em função da marcação a mercado de ativos e passivos. São exemplos típicos desses ajustes as variações de valor justo de títulos classificados como “valor justo por resultado abrangente” (categoria introduzida pelo IFRS 9 e equivalente aos antigos títulos disponíveis para venda), além de outros componentes de outros resultados abrangentes, como reservas de reavaliação, hedge de fluxo de caixa e ajustes decorrentes do risco de crédito próprio em passivos financeiros.

A atualização normativa promovida pela Resolução BCB nº 474/2025 reflete a contínua preocupação do regulador em assegurar a solidez do sistema financeiro e alinhar as regras brasileiras aos padrões internacionais (Basileia III). Desde a adoção das normas internacionais de contabilidade (IFRS) no Brasil, especialmente após a Lei 11.638/2007, e, de forma mais completa, com a entrada em vigor do IFRS 9/CPC 48 (Instrumentos Financeiros) para fins regulatórios em 2025, os bancos passaram a incorporar ao patrimônio líquido os ajustes de valor justo de diversos instrumentos financeiros, bens e derivativos. Esses ajustes, porém, podem introduzir volatilidade no capital regulatório, pois representam ganhos ou perdas contábeis ainda não realizados, que podem se reverter com o tempo.

O BCB, ao regular o cálculo do PR, busca equilibrar fidelidade contábil e prudência regulatória: garantir que o capital considerado para fins de solvência reflita recursos efetivamente aptos a absorver perdas, evitando oscilações excessivas decorrentes de fatores temporários ou não realizados. Assim, desde a Resolução BCB nº 199/2022, o Banco Central definiu quais parcelas do patrimônio seriam incluídas ou excluídas do PR, listando no Art. 3º as contas elegíveis do Capital Nível I – Capital Principal (como capital social, reservas e lucros acumulados) e também os ajustes de avaliação patrimonial (ganhos e perdas não realizados), incluindo exceções e elementos dedutíveis específicos (COSIF, 2025).

Por que os ajustes de avaliação patrimonial importam?

Esses ajustes englobam, por exemplo, a diferença entre o valor contábil e o valor de mercado de certos ativos disponíveis para venda (ou designados ao valor justo via outros resultados abrangentes, segundo IFRS 9/CPC 48). Um caso comum são os títulos públicos marcados a mercado: suas oscilações de preço são reconhecidas diretamente no patrimônio líquido (em “outros resultados abrangentes”), aumentando-o em caso de ganho não realizado ou reduzindo-o em caso de perda não realizada (ICBC, 2024).

Do ponto de vista regulatório, contar esses ganhos potenciais como capital pode inflar indevidamente o PR, enquanto reconhecer integralmente perdas potenciais pode reduzir o capital além do necessário, caso tais perdas venham a se reverter até o vencimento do ativo. Assim, a regulamentação prudencial frequentemente aplica filtros ou ajustes específicos para esses itens, de modo a não superestimar nem subestimar a capacidade de absorção de perdas das instituições, conforme preconizado pelo Acordo de Basileia III e replicado nas normas brasileiras.

Alterações Introduzidas pela Resolução BCB nº 474/2025

A Resolução BCB nº 474/2025 promove mudanças pontuais, porém significativas, na Resolução BCB nº 199/2022, sobretudo no artigo 3º, que define o cálculo do Capital Principal (Nível I). Em linha com o que determina a Resolução CMN nº 5.214/2025, a nova norma modifica o tratamento dos ganhos e perdas não realizados decorrentes de ajustes de avaliação patrimonial no cálculo do PR, estabelecendo restrições e exceções que tornam a abordagem mais conservadora.

1. Exclusão de Ganhos Não Realizados do Cálculo do Capital

A principal restrição trazida pela Resolução BCB 474/2025 é que ganhos não realizados decorrentes de ajustes de avaliação patrimonial deixam de reforçar o capital regulatório. Na prática, os aumentos de patrimônio decorrentes de valorizações de ativos ainda não realizados (por exemplo, lucro na marcação a mercado de um título classificado como “valor justo por resultado abrangente”, conforme IFRS 9/CPC 48) não são computados no Capital Nível I, exceto algumas exceções previstas.

Antes da mudança, a norma permitia a soma desses ganhos ao Capital Principal (conforme redação original do art. 3º, inciso I, alínea c da Res. 199/2022 – COSIF). Agora, esse dispositivo foi alterado para vedar a inclusão desses ganhos, salvo as exceções específicas das alíneas ‘g’ e ‘h’, que se referem a ajustes positivos de hedge de fluxo de caixa e de risco de crédito próprio (bcb.gov.br). Assim, ganhos acumulados em outras reservas de reavaliação ou em instrumentos classificados ao valor justo via outros resultados abrangentes deixam de inflar o patrimônio de referência, alinhando-se ao princípio de que apenas capital de alta qualidade e realizado deve compor o núcleo do PR.

2. Tratamento Prudencial de Perdas Não Realizadas

Quanto às perdas não realizadas (reduções de patrimônio decorrentes de ajustes de avaliação patrimonial negativos), a regra geral continua sendo deduzi-las do Capital Principal. Ou seja, desvalorizações ainda não realizadas de ativos continuam impactando negativamente o PR. Todavia, a Resolução 474/2025 mantém exceções importantes para determinados tipos de perdas não realizadas, de modo a evitar penalizar o capital por efeitos contábeis que podem ser temporários ou voláteis.

Em especial, permanecem excepcionados os ajustes negativos relacionados a:
(i) hedge de fluxo de caixa – perdas registradas em patrimônio líquido decorrentes de derivativos usados como hedge de fluxo de caixa;
(ii) alterações no risco de crédito próprio em passivos financeiros – perdas não realizadas resultantes da melhora no próprio risco de crédito da instituição, quando este efeito é reconhecido em outros resultados abrangentes, conforme IFRS 9.

Essas duas situações já eram destacadas na redação original (art. 3º, inciso II, alíneas e e f da Res. 199/2022 – COSIF). A norma atualizada mantém a essência do tratamento: perdas não realizadas associadas a hedge de fluxo de caixa e a risco de crédito próprio não devem afetar o cálculo do PR, pois não representam perdas econômicas permanentes. No caso de hedge de fluxo de caixa, a perda acumulada tende a ser compensada por ganhos futuros na posição protegida; no caso do risco de crédito próprio, trata-se de ajuste contábil que ocorre quando a própria instituição melhora sua nota de crédito, gerando uma perda contábil sem impacto em caixa ou solvência efetiva.

A novidade da Resolução 474/2025 é a explicitação e consolidação dessas exceções, corrigindo eventuais ambiguidades da redação anterior e deixando claro que tais ajustes não entram no cômputo geral das perdas a deduzir.

3. Correções e Detalhamentos Técnicos no Art. 3º

Além das mudanças de mérito acima, a nova resolução ajustou pontos técnicos da redação do art. 3º da Res. 199/2022 para evitar duplo cômputo de efeitos e melhorar a clareza. Foram atualizadas as referências cruzadas às alíneas:

  • A alínea c (ganhos não realizados) passou a excluir expressamente os ajustes previstos nas alíneas “g” e “h” (bcb.gov.br),

  • A alínea a do inciso II (perdas não realizadas) agora exclui os itens “e” e “f” (hedge de fluxo de caixa e risco próprio), e não apenas “e” como antes.

Essas alterações eliminam potenciais contagens duplicadas. Com a nova norma, cada componente está devidamente separado: os ajustes de hedge e de risco próprio são tratados exclusivamente em suas alíneas dedicadas, não sendo somados ou deduzidos na contabilização geral dos ganhos/perdas não realizados.

Impactos Contábeis e Regulatórios para as Instituições

Convergência entre Capital Regulatório e Qualidade do Patrimônio

Ao excluir do PR os ganhos meramente contábeis (não realizados) e filtrar perdas de natureza temporária, o Banco Central torna o indicador de capitalização mais conservador e robusto. O Capital Nível I (Capital Principal) passa a refletir predominantemente recursos de alta qualidade – capital social, reservas de lucro e outros componentes efetivamente disponíveis para absorver prejuízos – sem inflar-se por reservas de marcação a mercado que podem se dissipar com a volatilidade do mercado (okcompliance.okai.com.br).

Do ponto de vista contábil, não há alteração na forma de reconhecer esses ajustes nas demonstrações financeiras: as instituições continuarão registrando normalmente, no balanço patrimonial e na demonstração de mutações do patrimônio líquido, os ajustes de avaliação patrimonial conforme os pronunciamentos contábeis (CPCs/IFRS). A diferença ocorre na apuração do capital regulatório: os relatórios prudenciais passarão a expurgar certos efeitos, gerando uma divergência maior entre o patrimônio líquido contábil e o Patrimônio de Referência regulatório – diferença essa intencional e conhecida, que deverá ser evidenciada nas demonstrações e relatórios de gerenciamento de riscos (Pilar 3).

Por exemplo, um banco com grande ganho não realizado em títulos classificados ao valor justo via outros resultados abrangentes (OCI) verá esse ganho compondo seu PL societário, mas não seu PR; já um banco com perdas não realizadas significativas em hedge de fluxo de caixa verá seu PR menos afetado do que estaria seu PL contábil, devido à neutralização permitida pela regra.

Impacto nos Índices de Capital e Apetite de Risco

A medida afeta diretamente o cálculo dos índices de Basileia (relações de capital mínimo). Instituições que, até então, contavam com um volume expressivo de ajustes positivos (ganhos não realizados) para compor seu capital regulatório poderão ver redução em seus índices de Capital Nível I e Capital Total, exigindo eventuais ajustes de estratégia. Em contrapartida, instituições que vinham sofrendo impacto de perdas acumuladas em OCI (por exemplo, devido à elevação de juros que depreciou suas carteiras de títulos) podem se beneficiar da filtragem parcial, mantendo um índice de capitalização mais folgado do que teria sob as regras antigas.

Na média do sistema, espera-se uma redução da volatilidade dos índices de capital frente a oscilações de mercado. Isso é positivo do ponto de vista de estabilidade: decisões de negócio não serão mais tão influenciadas por flutuações momentâneas de patrimônio que agora não entram integralmente no cômputo regulatório. Cabe frisar que a mudança não diminui a pressão por capitalização sólida – pelo contrário, ao desconsiderar ganhos não realizados, força as instituições a buscarem capital genuíno (lucros retidos, emissão de ações ou instrumentos elegíveis) para cumprir os requerimentos mínimos, em vez de contar com “almofadas” contábeis potencialmente voláteis. Trata-se, portanto, de um refinamento prudencial que pode demandar, de algumas instituições, revisão no planejamento de capital e no gerenciamento de riscos de mercado.

As áreas de compliance e riscos deverão atualizar suas métricas internas para refletir os novos critérios, assegurando que políticas de apetite de risco e planos de capital considerem a impossibilidade de contar com reservas de valor justo positivas para fins regulatórios.

Instituições de Pagamento (IPs)

As instituições de pagamento, embora não sejam exatamente instituições financeiras, também estão sujeitas a exigências de capital regulatório (Patrimônio de Referência da Instituição de Pagamento – PRIP) conforme a Resolução BCB nº 198/2022. Embora a Res. 474/2025 tenha alterado explicitamente a norma referente a bancos, o mesmo princípio prudencial se estende às IPs, que geralmente seguem critérios análogos de cálculo de capital próprio. Muitas IPs mantêm seus recursos em ativos de baixo risco, como títulos públicos federais; esses títulos sofrem ajustes de avaliação patrimonial conforme a variação dos juros. Com a mudança regulatória, o eventual ganho não realizado nesses títulos não poderá mais ser considerado como capital elegível para cobrir riscos de operação da IP, enquanto eventuais perdas não realizadas continuarão a diminuir o PRIP (exceto se relacionadas a hedge accounting, algo menos comum nas IPs).

Na prática, as IPs devem ficar atentas ao enquadramento contínuo do PRIP ao requerimento mínimo, especialmente porque algumas que possuíam uma folga de capital graças a ganhos de marcação a mercado podem vê-la reduzir. Em termos de demonstrações financeiras, a lógica é similar: nenhuma mudança nos balanços das IPs, mas possivelmente uma diferença maior entre o patrimônio líquido contábil e o patrimônio de referência regulatório divulgado nas notas explicativas. Para fins de compliance, as IPs precisarão reportar ao Bacen seus indicadores de capital já observando os novos critérios, o que inclui adaptar sistemas de envio de dados (por exemplo, o Relatório do Conglomerado Prudencial, caso aplicável, e informes específicos do SPI/Bacen).

Cálculo de Risco e Estratégias de Hedge

Indiretamente, a alteração do tratamento dos ajustes de avaliação patrimonial também impacta considerações sobre gestão de risco de mercado e contabilização de hedge. Por exemplo, bancos utilizavam estratégias de hedge de fluxo de caixa (especialmente para proteção de fluxos de juros futuros) cientes de que qualquer perda temporária ficaria no patrimônio líquido. Até então, essa perda reduzia o capital regulatório – um desincentivo a realizar hedges de longo prazo com derivativos, pois poderia piorar indicadores de capital no curto prazo. Com a nova regra neutralizando os efeitos de hedge de fluxo de caixa no PR, remove-se esse desincentivo: a volatilidade contábil proveniente de instrumentos de hedge eficazes não prejudicará os índices de capital, encorajando as boas práticas de gerenciamento de risco.

De modo semelhante, ao excluir ganhos não realizados, evita-se que instituições assumam risco excessivo buscando lucros contábeis temporários para inflar seu capital. Em suma, a medida alinha os incentivos: ganhos só contarão quando realizados ou suficientemente seguros, e perdas provocadas por hedges prudenciais não penalizarão desnecessariamente o banco.

Objetivos da Regulação e Considerações Finais

A Resolução BCB nº 474/2025 evidencia o compromisso do Banco Central em aprimorar a qualidade do capital regulatório do sistema financeiro. Ao incorporar as diretrizes do Conselho Monetário Nacional (Resolução CMN nº 5.214/2025, editada na mesma data), o BCB reforça a convergência às boas práticas internacionais de Basileia. O objetivo central dessas normas é fortalecer a resiliência financeira das instituições, garantindo que o patrimônio de referência – base para cobertura de riscos de crédito, mercado e operacional – seja composto por elementos efetivamente capazes de absorver perdas em cenários de estresse.

Do ponto de vista histórico, a norma original (Res. BCB 199/2022) havia sido editada como parte da reformulação do arcabouço prudencial após a autonomia do Banco Central, consolidando regras de capital para diferentes segmentos de instituições (bancos múltiplos, comerciais, cooperativas de crédito, fintechs de pagamento, etc.). Desde então, o BCB vem calibrando esse arcabouço: houve ajustes relacionados à implementação do IFRS 9 (CPC 48) em 2025, que alterou classificações de ativos financeiros e critérios de provisão para perdas esperadas, e à introdução de novas métricas de sensibilidade de risco de mercado (RWAsens) (CNN Brasil, 2025).

A Resolução 474/2025 insere-se nesse contexto evolutivo, ao clarificar e tornar mais rigoroso o tratamento de reservas de reavaliação e ajustes de marcação a mercado. Em particular, a alteração na redação do art. 3º elimina ambiguidades e fecha brechas que poderiam permitir interpretações menos prudentes. A inclusão de ganhos não realizados passa a ser vedada de forma explícita, e permanecem apenas as exceções justificáveis (hedges de fluxo de caixa e risco próprio) em que a exclusão de perdas evita distorções pontuais (cosif.com.br).

Para profissionais de compliance, contabilidade e finanças, é fundamental assimilar essas mudanças e incorporá-las nos processos internos. Recomenda-se revisar manuais de cálculo de capital, políticas de divulgação e modelos de projeção financeira para refletir o novo tratamento. Por exemplo, instituições devem atualizar suas projeções de Basileia para 2025 em diante, eliminando qualquer expectativa de contar com ganhos de outros resultados abrangentes (OCI) como reforço de capital. Da mesma forma, as notas explicativas das demonstrações financeiras que conciliam o patrimônio contábil e o patrimônio regulatório deverão destacar os novos ajustes (expondo, por exemplo, o montante de ajustes de avaliação patrimonial positivos desconsiderados do PR, em atendimento à transparência requerida pelo Pilar 3).

Em síntese, a Resolução BCB nº 474/2025 aprimora a robustez e a transparência do cálculo do capital regulatório no Brasil. Ao focar na qualidade do capital – privilegiando componentes permanentes e realizados – a norma protege o sistema contra flutuações transitórias e reforça a confiança de investidores e do próprio regulador nos indicadores de solvência das instituições. Trata-se de uma evolução normativa que, embora técnica, tem efeito direto na segurança e estabilidade do sistema financeiro, assuntos de interesse direto para profissionais de compliance, contabilidade e finanças que atuam nesse setor.