Responsabilidades, Documentação e Compliance na Resolução BCB nº 476/2025

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Responsabilidades, Documentação e Compliance na Resolução BCB nº 476/2025

A implementação da Resolução BCB nº 476/2025, com vigência a partir de dezembro de 2025, redefine o padrão de governança e compliance para as instituições de pagamento autorizadas pelo Banco Central do Brasil. A norma não apenas exige a consulta obrigatória ao sistema de restrições do BC, como também estabelece critérios rigorosos para a documentação das decisões excepcionais e atribui responsabilidade integral às instituições quanto à análise e decisão sobre abertura e alteração de contas pré-pagas. Este artigo explora os pontos-chave dessa nova exigência regulatória e seus impactos sobre a governança e os controles internos das organizações.

Fundamentação documental nas decisões excepcionais

A Resolução BCB nº 476/2025 prevê a possibilidade de, em situações excepcionais, a instituição decidir pela abertura de conta ou alteração de titulares mesmo diante de uma restrição ativa no sistema do Banco Central. Nesses casos, a instituição deverá produzir documentação detalhada, explicitando os motivos que justificam tal decisão. O objetivo é garantir total rastreabilidade do processo e permitir a demonstração, em eventual fiscalização, de que a exceção se baseou em critérios objetivos e legítimos, e não em decisões arbitrárias.

Essa documentação deve contemplar a análise individualizada do caso, evidências de que o titular ou seu representante de fato desejam a abertura ou alteração da conta, e a demonstração clara da impossibilidade de exclusão da restrição pelo cliente. A recomendação é que o processo envolva múltiplos níveis de aprovação interna, preferencialmente incluindo parecer do compliance e validação de instâncias superiores, reforçando o rigor e a legitimidade da decisão.

Responsabilidade exclusiva da instituição

A norma reforça que a responsabilidade sobre a decisão de abertura ou alteração de contas, inclusive nos casos excepcionais, é integralmente da instituição de pagamento. O sistema de restrição do Banco Central possui função consultiva e informativa, mas não interfere na autonomia decisória das instituições. Isso significa que, em caso de descumprimento das regras, falha nos controles ou envolvimento em situações de fraude, a instituição não poderá alegar falhas do sistema, desconhecimento ou autorização do cliente como justificativa para isentar-se de responsabilização.

Essa exclusividade da responsabilidade impõe um novo patamar de cuidado e cautela às áreas de compliance, riscos e jurídico. As decisões, especialmente aquelas que contrariarem a manifestação registrada pelo cliente, devem ser tomadas com base em análise criteriosa, documentação robusta e alinhamento com a política de governança e apetite de risco institucional.

Conservação da documentação por dez anos

Outro ponto central da Resolução BCB nº 476/2025 é a exigência de manutenção, por no mínimo dez anos, de toda a documentação relativa às consultas ao sistema do Banco Central, incluindo resultados e decisões excepcionais fundamentadas. Esse prazo supera o exigido em boa parte das demais obrigações regulatórias, sinalizando o elevado grau de importância atribuído pelo regulador ao controle e rastreabilidade dessas informações.

As instituições devem garantir que seus sistemas de arquivamento e gestão documental estejam aptos a armazenar, de forma segura e organizada, todos os registros pertinentes. Essa obrigação abrange tanto as consultas rotineiras (incluindo data, horário e resultado) quanto os memorandos, pareceres, aprovações internas e comunicações formais que suportam decisões excepcionais. O acesso a esses documentos deve ser rápido e eficiente, de modo que, em caso de fiscalização, auditoria ou investigação, seja possível apresentar imediatamente todo o histórico relacionado à abertura ou alteração da conta.

Impactos práticos para compliance, auditoria e governança

A Resolução BCB nº 476/2025 exige uma revisão abrangente dos procedimentos internos, com impacto direto sobre os programas de compliance, os processos de onboarding, as políticas de prevenção à lavagem de dinheiro e o papel das áreas de auditoria interna. A atualização das políticas internas deve prever a integração dos sistemas de cadastro ao sistema do Banco Central, a obrigatoriedade da documentação nos casos excepcionais e a clareza dos critérios de decisão.

É fundamental que a área de compliance seja envolvida de forma ativa na análise dos casos que demandem abertura de conta mesmo com restrição registrada, funcionando como uma segunda linha de defesa. A auditoria interna, por sua vez, deve incluir a verificação do cumprimento desses procedimentos em seu plano de auditoria, conferindo não apenas a existência dos registros, mas também sua qualidade e adequação.

A alta administração e o conselho de administração das instituições também são diretamente afetados. Cabe a eles definir o apetite de risco institucional, estabelecer os níveis de aprovação exigidos para casos excepcionais e garantir que a cultura de responsabilidade e conformidade seja difundida por toda a organização. O envolvimento da liderança é decisivo para que as exigências da nova regulamentação sejam não apenas cumpridas formalmente, mas também assimiladas como parte da cultura organizacional.

Comunicação ao cliente e orientação operacional

Em situações de recusa de abertura ou alteração de conta motivadas exclusivamente pela existência de restrição registrada no sistema do Banco Central, a instituição deve informar claramente o interessado sobre a razão da negativa. Isso reforça a transparência, evita conflitos e possibilita ao cliente tomar as medidas necessárias para, se desejar, remover a restrição diretamente junto ao Banco Central.

O novo regime regulatório impõe um período de adaptação para as instituições, especialmente quanto à integração de sistemas, treinamento de equipes e revisão de processos. As áreas de atendimento precisam estar preparadas para orientar os clientes, enquanto as áreas técnicas devem garantir a conformidade automatizada dos fluxos operacionais.

Considerações finais

A Resolução BCB nº 476/2025 estabelece um novo marco de robustez, transparência e responsabilidade na abertura e alteração de contas de pagamento pré-pagas no Brasil. A exigência de fundamentação documental, a obrigatoriedade de manutenção dos registros por dez anos e a exclusividade da responsabilidade institucional reforçam a cultura de controles internos e compliance. As áreas de risco, compliance, auditoria e alta administração têm papel essencial para assegurar não apenas a conformidade formal, mas também a aderência aos melhores padrões de governança do mercado financeiro.