
Em um país onde as marcas vivem sob os olhos atentos da opinião pública, a BRF – gigante brasileira do setor alimentício, responsável por marcas como Sadia e Perdigão – foi colocada no centro de uma das mais graves crises de imagem e compliance trabalhista dos últimos anos.
Tudo começou em abril de 2024, quando uma funcionária da unidade da BRF em Lucas do Rio Verde (MT), grávida de oito meses de gêmeas, entrou em trabalho de parto durante o expediente. Mesmo relatando dores intensas, tontura e dificuldade para respirar, foi impedida de deixar seu posto por supervisores. Somente horas depois, ao sair por conta própria e chegar à portaria, deu à luz prematuramente. As duas bebês morreram.
Em decisão de junho de 2025, a 2ª Vara do Trabalho da cidade condenou a empresa ao pagamento de R$ 150 mil por danos morais, além de reconhecer a rescisão indireta do contrato de trabalho por falta grave da empregadora, responsabilizando-a também pelo pagamento de verbas rescisórias e inscrição no seguro-desemprego.
O episódio levanta um alerta preocupante sobre a efetividade dos programas de compliance trabalhista no Brasil. Embora a BRF possua políticas internas e seja signatária de compromissos públicos de integridade, o juiz Fernando Galisteu foi categórico ao destacar que a empresa falhou duplamente: primeiro, ao ignorar os sinais de emergência médica de uma gestante vulnerável; depois, ao não acionar os protocolos do SESMT – Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho – previstos em sua própria política interna.
Além disso, foi aplicado o princípio da perspectiva de gênero e da interseccionalidade, reconhecendo que a vítima era mulher, migrante e grávida, ou seja, inserida em uma situação de hipervulnerabilidade. Essa abordagem segue a jurisprudência atual do Tribunal Superior do Trabalho e diretrizes da OIT – Organização Internacional do Trabalho.
Mais do que uma condenação financeira, a BRF agora lida com as consequências de uma crise reputacional profunda. O caso repercutiu negativamente nas redes sociais, em veículos como Folha de S. Paulo, UOL, Só Notícias, Portaltela e fóruns como o Reddit, onde consumidores questionaram a ética da companhia e pediram boicote aos seus produtos.
Diante da repercussão, a BRF declarou que a funcionária não apresentava gravidez de risco e que teria recusado atendimento interno. No entanto, imagens e testemunhos que confirmam os pedidos reiterados de socorro e a ausência de resposta da liderança local.
No centro da crise está uma funcionária que perdeu dois filhos em um ambiente que deveria ser seguro e acolhedor. A resposta da Justiça, embora simbólica, aponta para a necessidade de revermos o papel do compliance trabalhista nas grandes corporações – especialmente em ambientes fabris, onde o contato com a base é mínimo e as decisões críticas são muitas vezes tomadas por operadores sem formação adequada em direitos humanos e protocolos de saúde ocupacional.
O caso BRF é um divisor de águas. Ele obriga empresas a reavaliar:
Se seus códigos de conduta são de fato aplicados na prática,
Se há treinamento efetivo de lideranças operacionais,
Se existe resposta rápida e sensível a situações de risco físico e emocional,
Se a cultura da empresa permite que colaboradores se manifestem sem medo de retaliação.
Mais do que apontar culpados, é um convite à reflexão sobre o papel real dos programas de integridade nas grandes empresas.