Inteligência Artificial na Gestão de Riscos

Inteligência Artificial na Gestão de Riscos

A gestão de riscos corporativos, historicamente fundamentada em frameworks estruturados, mapas matriciais de impacto e probabilidade, planos de continuidade e políticas de resposta, está sendo profundamente transformada pela incorporação da Inteligência Artificial (IA), que vai ser uma revolução sem precedentes que exige não apenas a atualização de ferramentas e metodologias, mas uma revisão do próprio modelo mental com que os riscos são percebidos, analisados e geridos nas empresas.

A IA enquanto tecnologia de propósito geral tem a capacidade de redesenhar profundamente a forma como a informação é processada, como padrões de risco são detectados e como decisões críticas são tomadas, especialmente sob pressão, incerteza e escassez de tempo.

O ponto central dessa mudança reside na migração de uma lógica reativa, baseada em respostas a eventos após sua ocorrência, para uma lógica preditiva e adaptativa, onde os sistemas de risco são capazes de antecipar ameaças antes que se materializem, ajustar automaticamente os modelos diante de novos dados e gerar inteligência acionável mesmo em contextos de dados não estruturados, massivos e fragmentados.

Diferentemente de outras inovações tecnológicas que visaram ganhos incrementais, como dashboards de BI, sistemas de alertas parametrizados ou regras de decisão baseadas em lógica condicional, a IA opera em outro patamar: sua natureza estatística, probabilística e autoadaptativa lhe permite encontrar relações que escapam à lógica determinística tradicional, identificar padrões não lineares e correlacionar eventos aparentemente desconectados.

Além disso a capacidade da IA de combinar múltiplas fontes de dados simultaneamente, desde feeds de redes sociais até sensores IoT, passando por registros internos, sistemas de viagens, notícias, bases públicas e dados climáticos, amplia radicalmente a visão sistêmica dos riscos. Isso tem implicações diretas para as empresas que operam em múltiplas jurisdições, em setores regulados, com estruturas complexas de cadeia de suprimentos, presença internacional ou exposição a riscos operacionais críticos como fraudes, ataques cibernéticos, desastres naturais ou instabilidades político-sociais.

Contudo essa transformação não está isenta de desafios, aonde a integração da IA na função de risco exige a construção de uma governança robusta, capaz de lidar com os riscos emergentes da própria tecnologia. Entre os principais estão o viés algorítmico, as alucinações (geração de respostas incorretas ou enganosas com aparência de verdade), os pontos cegos em bases de dados de treinamento, os riscos de privacidade e proteção de dados, a opacidade nas decisões automatizadas e a dificuldade de rastreabilidade das fontes utilizadas. Todos esses fatores precisam ser controlados com mecanismos que combinem supervisão humana, validação cruzada, auditoria técnica dos modelos e controles internos fortes.

Portanto a IA não pode ser incorporada à gestão de riscos como uma ferramenta adicional simplesmente plugada em processos existentes. Ela requer uma reconceituação da função de risco enquanto estrutura viva, adaptativa e conectada com os objetivos estratégicos do negócio. O uso responsável da IA nesse contexto deve respeitar quatro princípios fundamentais: transparência dos processos e decisões; explicabilidade dos modelos; supervisão humana contínua e qualificada; e governança alinhada aos princípios de integridade, segurança, legalidade e responsabilidade.

Vou então tentar exatamente falar mais neste texto de forma técnica e aprofundada, o novo papel da IA na gestão de riscos, os benefícios e capacidades que essa tecnologia proporciona, e principalmente os riscos e armadilhas que acompanham sua adoção.

O novo paradigma da gestão de riscos e o papel estratégico da Inteligência Artificial

A adoção da IA na gestão de riscos corporativos está diretamente associada à necessidade de responder a um ambiente externo cada vez mais volátil, incerto, complexo e ambíguo a chamada condição "VUCA" (cuja sigla em inglês significa: Volatility, Uncertainty, Complexity, Ambiguity). Os métodos tradicionais de gestão de riscos, centrados em planilhas, entrevistas, análises qualitativas e relatórios trimestrais, foram desenhados para contextos mais estáveis, onde era possível mapear os riscos conhecidos e prever sua frequência e impacto com base em dados históricos. Entretanto a realidade atual exige velocidade, capacidade preditiva, adaptação dinâmica e integração em tempo real com fontes múltiplas de dados. É nesse ambiente que a IA se insere como um fator de disrupção transformacional.

Da detecção passiva à vigilância ativa e inteligente

Historicamente os sistemas de gestão de riscos operavam em um modelo de detecção passiva, onde eventos eram registrados, analisados e tratados apenas após sua ocorrência. Os comitês de risco, os relatórios periódicos e os indicadores-chave (KRIs) ofereciam uma visão retrospectiva do ambiente de risco. A IA rompe com esse modelo ao permitir a construção de sistemas de vigilância ativa, capazes de identificar alterações sutis em dados em tempo real, detectar anomalias e gerar alertas com base em sinais fracos.

Esse novo modelo opera com técnicas como aprendizado não supervisionado, detecção de anomalias por séries temporais, classificação probabilística de eventos e redes neurais convolucionais aplicadas a imagens e vídeos. Por exemplo, um modelo pode identificar padrões de risco em tempo real a partir da análise de postagens em redes sociais que mencionam instabilidade política, protestos ou violência urbana em regiões onde a empresa possui executivos em viagem, permitindo decisões proativas de relocação, cancelamento de agendas ou reforço de segurança.

Essa lógica também se aplica a riscos cibernéticos, onde a IA pode monitorar logs de rede, variações de tráfego e tentativas de acesso não autorizado, comparando com padrões históricos e gerando alertas automatizados. A vigilância ativa viabilizada pela IA transforma a postura da empresa de uma abordagem "reativa e investigativa" para uma "proativa e preditiva".

A escalabilidade analítica como diferencial estrutural

A capacidade da IA de processar, em tempo real, volumes massivos de dados de diversas naturezas (estruturados e não estruturados, internos e externos, textuais e visuais) representa uma mudança estrutural para a gestão de riscos. Tradicionalmente, as equipes de risco enfrentam limitações de recursos humanos e técnicos para analisar um universo tão amplo e dinâmico de dados. Com a IA, essa limitação desaparece, algoritmos operam 24x7, sem perda de performance, escalando horizontalmente a capacidade de análise.

Algoritmos de NLP permitem analisar e classificar rapidamente textos em múltiplos idiomas, extraindo entidades (pessoas, lugares, datas, empresas) e correlacionando com eventos de risco. Modelos de machine learning supervisionado podem ser treinados com registros históricos da própria empresa para prever recorrência de eventos, identificar riscos ocultos e ajustar o nível de criticidade de alertas. Já técnicas de análise semântica permitem inferir o "sentimento" de uma notícia ou de uma rede social sobre determinado evento.

A escalabilidade também permite a personalização da análise por país, unidade de negócio, tipo de exposição e perfil de usuário, permitindo que os relatórios e painéis de risco sejam moldados conforme a necessidade de cada área, desde relatórios técnicos para o comitê de riscos até painéis executivos com linguagem simplificada e orientada à tomada de decisão.

Integração da IA ao ciclo de decisão em risco

O verdadeiro valor da IA na gestão de riscos não está apenas na sua capacidade de analisar dados, mas na sua integração aos ciclos decisórios. Isso significa que os outputs da IA precisam ser acionáveis, compreensíveis e confiáveis para alimentar decisões críticas em diferentes níveis hierárquicos. A IA deve ser incorporada às rotinas da empresa de forma fluida, transparente e alinhada às responsabilidades definidas pelas linhas de defesa.

Um bom exemplo é o uso de IA para gerar relatórios automáticos de risco de viagem, onde o sistema coleta informações sobre a localidade, riscos atuais (crime, saúde, clima, política), histórico de eventos semelhantes, recomendações de segurança e cria um briefing personalizado para cada colaborador em trânsito. Da mesma forma, sistemas de IA podem alimentar dashboards em tempo real sobre risco de crédito, risco climático, exposição geopolítica, monitoramento de supply chain, entre outros, com filtros por unidade, produto, região ou perfil de risco.

Isso exige integração com sistemas legados (ERPs, CRMs, GRCs), padronização semântica de indicadores e um esforço de arquitetura de dados corporativa robusta. A IA, nesse sentido, atua como um "motor de inteligência" plugado aos sistemas de negócio, automatizando o ciclo: coleta > análise > síntese > recomendação > ação.

A IA como redutora de latência decisória em crises

Talvez uma das aplicações mais impactantes da IA na gestão de riscos esteja no contexto de crise. Nessas situações, os gestores precisam tomar decisões rápidas com base em informações incompletas, com alto grau de incerteza e sob pressão emocional e reputacional. A IA ajuda a reduzir a chamada “latência decisória”, ou seja o tempo entre a ocorrência de um evento e a ação efetiva da empresa, ao acelerar a coleta, triagem, validação e disseminação de informações críticas.

Por exemplo, diante de um atentado terrorista em uma cidade onde a empresa possui colaboradores, um sistema de IA pode automaticamente: identificar a localização do evento com base em fontes abertas (notícias, redes sociais), cruzar com os registros de viagens da empresa e determinar quais colaboradores estão em área de risco, gerar um alerta automatizado ao time de segurança e aos líderes regionais. recomendar ações com base em protocolos de resposta previamente treinados (como evacuação, lockdown, comunicação institucional).

Essa atuação em minutos, ao invés de horas, pode salvar vidas, proteger ativos, reduzir perdas financeiras e preservar a reputação da empresa.

Benefícios operacionais da Inteligência Artificial na gestão de riscos e a inteligência acionável, eficiência analítica e resiliência organizacional

A incorporação da Inteligência Artificial (IA) aos processos de gestão de riscos oferece um amplo espectro de benefícios operacionais que transcendem os ganhos tecnológicos típicos de automação. A IA, quando bem integrada à função de riscos, gera externalidades positivas em três dimensões críticas para a resiliência corporativa: aceleração dos ciclos de análise e decisão; aumento da qualidade e profundidade da inteligência gerada; e redistribuição do foco das equipes de risco, que passam de tarefas operacionais repetitivas para atividades de maior valor agregado, como a análise crítica, a formulação de cenários e o aconselhamento estratégico à liderança. Esses benefícios se concretizam por meio de quatro eixos principais, que vou tentar detalhar abaixo.

Extração de inteligência a partir de grandes volumes de dados

Um dos maiores gargalos enfrentados por equipes de risco é a dificuldade de lidar com volumes massivos e crescentes de dados, provenientes de múltiplas fontes internas e externas. Esses dados, muitas vezes não estruturados, incluem boletins de segurança, mídias sociais, relatórios governamentais, documentos internos, registros de sistemas de viagens, incidentes anteriores, informações de parceiros de negócios, fontes jornalísticas, sensores físicos (como IoT), entre outros. Tradicionalmente, a análise desses dados exige um esforço humano intenso e moroso, com riscos de omissão, viés e obsolescência das informações.

A IA neste contexto introduz uma nova lógica de processamento e análise que elimina a limitação humana quanto à escala e velocidade. Técnicas de Natural Language Processing (NLP) são capazes de extrair entidades nomeadas, temas, sentimentos e padrões semânticos em milhares de documentos por minuto, realizando tarefas que consumiriam semanas de trabalho analítico manual. Sistemas de machine learning supervisionado e não supervisionado podem identificar correlações ocultas, agrupamentos de risco e padrões de eventos com relevância contextual, mesmo em idiomas diversos e com fontes fragmentadas.

Um exemplo prático é a análise automatizada de feeds de OSINT (Open Source Intelligence), onde a IA varre fontes como CNN, Reuters, Twitter, Telegram, bases públicas de governos e agências multilaterais, cruzando termos-chave com mapas de operação da empresa. O sistema pode identificar rapidamente, por exemplo, um aumento anormal de menções a protestos violentos em um determinado bairro onde há colaboradores em campo, gerando um alerta imediato para os times de segurança e comunicação. Esse tipo de automação não apenas economiza tempo, mas melhora significativamente a acurácia e a antecipação da resposta ao risco.

Além disso ao estruturar dados não estruturados a IA viabiliza sua integração com modelos quantitativos de análise de risco já existentes na empresas, como modelos de perdas operacionais, avaliação de continuidade de negócios, modelos preditivos de risco de crédito ou mapas de exposição regulatória por jurisdição, enriquecendo-os com camadas contextuais antes inacessíveis.

Análises preditivas e antecipação de riscos emergentes

Outro benefício decisivo da IA está em sua capacidade de promover análises preditivas com base em padrões históricos e dados contextuais em tempo real. Em vez de apenas relatar riscos já materializados ou registrar eventos passados, os modelos de IA podem antecipar tendências, projetar possíveis cenários de deterioração e sugerir medidas preventivas de mitigação. Para isso utilizam técnicas como das séries temporais multivariadas com aprendizado supervisionado, os modelos de regressão logística com variáveis contextuais, as redes neurais recorrentes (RNNs) ou LSTMs (Long Short-Term Memory) aplicadas a cadeias de eventos temporais e os modelos bayesianos dinâmicos, que atualizam previsões com novas evidências.

Esses modelos podem ser aplicados por exemplo na previsão de: atos de violência política antes de eleições em países instáveis., ameaças cibernéticas com base na análise de padrões de comportamento de atacantes (TTPs – Tactics, Techniques and Procedures), riscos climáticos sazonais que impactam a operação de infraestrutura crítica, e ate aumento do risco regulatório com base em propostas de lei ou ações de enforcement em setores específicos.

Importante destacar que os LLMs por si só possuem limitações no que se refere à atualização do conhecimento (treinamento estático). Para contornar isso as técnicas como Retrieval-Augmented Generation (RAG) são utilizadas, permitindo que o modelo recupere dinamicamente dados externos atualizados e os incorpore em tempo real às respostas e análises geradas. Isso aumenta a capacidade preditiva da IA, mitigando o risco de operar com informações desatualizadas ou descontextualizadas.

Por exemplo um modelo RAG pode incorporar os boletins mais recentes do Itamaraty, dados da OMC, alertas de clima severo de órgãos meteorológicos e protestos mapeados por ferramentas OSINT, tudo isso antes de gerar uma recomendação sobre a viabilidade de uma missão internacional a determinada localidade.

Padronização e automação de relatórios

A IA também promove avanços expressivos na padronização e automação dos produtos analíticos gerados pela função de risco. Em empresas de grande porte, com presença global e múltiplas unidades de negócios, um dos desafios recorrentes é a inconsistência dos relatórios de risco: diferentes formatos, linguagens, métricas e abordagens analíticas dificultam a consolidação da visão de risco em nível corporativo. A IA resolve esse problema por meio da automação da geração de relatórios estruturados, personalizados e consistentes.

Soluções baseadas em Natural Language Generation (NLG) podem transformar dados analíticos em texto narrativo claro, fluente e adaptado ao público-alvo. Por exemplo um modelo de IA pode gerar automaticamente relatórios diários de segurança para executivos em viagem, com análises resumidas dos principais riscos do destino, briefings executivos com visão consolidada de exposição de risco por unidade de negócio, segmento e jurisdição, análises comparativas semanais entre indicadores de riscos operacionais, financeiros, cibernéticos e regulatórios, e boletins de inteligência para a área de segurança corporativa com recomendações de ação baseadas em eventos recentes.

A padronização desses produtos garante mais confiança e previsibilidade na entrega, enquanto a automação libera as equipes de tarefas repetitivas, permitindo que concentrem sua energia na interpretação dos dados, discussão estratégica de cenários e engajamento com stakeholders relevantes.

Personalização de recomendações e democratização da inteligência de risco

Um benefício operacional muitas vezes negligenciado, mas de alto valor, é a capacidade da IA de tornar o conteúdo de risco mais acessível, compreensível e relevante para os diferentes públicos internos da empresa. A personalização por perfil, contexto e canal é viabilizada por modelos de recomendação baseados em dados de uso, preferências, cargo e histórico de interação.

Além disso o uso de chatbots treinados com políticas internas, manuais de conduta, matrizes de risco e protocolos de crise permite que qualquer colaborador tenha acesso direto e simplificado à inteligência de risco, sem necessidade de conhecimento técnico prévio. Isso é particularmente relevante para aumentar o engajamento com ferramentas como plataformas de gestão de risco de viagem, sistemas de reporte de incidentes e aplicativos de segurança pessoal.

Por exemplo um chatbot pode orientar um colaborador em trânsito sobre os protocolos de segurança de sua localidade em tempo real, auxiliar um gestor a interpretar o risco regulatório associado a um novo contrato ou parceiro, e apoiar uma equipe de resposta à crise com recomendações práticas sobre evacuação, comunicação e ativação de protocolos.

Esse tipo de personalização amplia a cultura de risco na empresa, descentraliza a inteligência e fortalece o pilar de accountability individual e coletiva em situações críticas.

Riscos centrais da implementação da Inteligência Artificial na gestão de riscos e os limites estruturais, ameaças emergentes e desafios de governança

Embora a incorporação da Inteligência Artificial (IA) à gestão de riscos ofereça ganhos substanciais de eficiência, acurácia e agilidade, a tecnologia também carrega um conjunto de riscos inerentes que, se negligenciados, podem comprometer a credibilidade do processo decisório, expor a empresa a vulnerabilidades operacionais, regulatórias e reputacionais e, paradoxalmente, aumentar o próprio risco que se pretende mitigar. É fundamental reconhecer que a IA não é neutra, infalível nem independente da qualidade de dados, da governança técnica e dos critérios éticos que orientam sua aplicação.

Portanto a implementação da IA na função de risco deve ser acompanhada de uma abordagem estruturada de risk-on-risk, ou seja um modelo formal para gerenciar os riscos decorrentes do uso da própria tecnologia como ferramenta crítica de apoio à decisão. Os riscos centrais se organizam em seis categorias principais, que serão aprofundadas a seguir: riscos de privacidade e compliance; pontos cegos e alucinações; confiança cega e ausência de verificação; viés algorítmico e desequilíbrio de representação; riscos relacionados à proteção da propriedade intelectual e uso de dados; e riscos sistêmicos associados ao treinamento de IA por outras IAs. A gestão desses riscos exige não apenas controles tecnológicos, mas estruturas de governança, supervisão humana e políticas institucionais consistentes.

Riscos de privacidade e compliance e a fragilidade jurídica e risco reputacional

Um dos primeiros e mais críticos riscos da implementação da IA na gestão de riscos está relacionado ao tratamento de dados sensíveis, pessoais e estratégicos em processos automatizados. Modelos de IA, sobretudo os de grande escala, operam com volumes massivos de dados que frequentemente incluem informações pessoalmente identificáveis (PII), como nome, localização, itinerário de viagem, histórico de incidentes, interações em sistemas internos, registros de saúde ocupacional, entre outros. O processamento automatizado dessas informações impõe riscos diretos de violação a marcos legais como a LGPD bem como obrigações setoriais específicas, como as impostas por reguladores bancários, sanitários, de dados ou de consumo.

Além dos riscos jurídicos e das sanções administrativas, que incluem multas elevadas, obrigações de reparação e suspensão de operações, há também impactos reputacionais relevantes em caso de incidentes de privacidade. Uma falha de segurança em um modelo que utilize dados sensíveis de colaboradores ou clientes, mesmo sem vazamento externo, pode comprometer a confiança nas estruturas de risco, TI e compliance.

Para mitigar esses riscos, as empresas devem adotar políticas claras de governança de dados, que incluam: (anonimização ou pseudonimização de PII nos conjuntos de treinamento; critérios rígidos de controle de acesso aos dados alimentadores e resultados gerados pela IA; revisões jurídicas e de DPO (Data Protection Officer) em cada novo uso de IA; registros de atividades de tratamento automatizado para rastreabilidade (registro de logs); contratos específicos com provedores de IA quanto à custódia, segurança, subcontratados e cláusulas de responsabilidade por incidente.

Além disso deve garantir transparência algorítmica, ou seja a capacidade de explicar como o modelo toma decisões com base nos dados utilizados, principalmente em cenários regulados, onde se exige prestação de contas sobre critérios utilizados em classificações de risco, decisões de prevenção a fraudes ou recomendações de resposta a incidentes.

Pontos cegos e risco de alucinações e as limitações técnicas e omissões críticas

Outro risco central na aplicação da IA à gestão de riscos reside nos chamados pontos cegos do modelo, que decorrem da limitação intrínseca dos dados de treinamento e das lacunas nos dados de entrada. Modelos de machine learning, sobretudo LLMs ou classificadores supervisionados, só conseguem gerar inferências com base nos padrões que viram previamente, o que significa que eventos ou situações não representadas nos dados históricos podem ser ignorados ou mal classificados. Essa limitação é particularmente perigosa em ambientes de risco altamente dinâmicos, como geopolítica, segurança física, risco cibernético e crises híbridas, onde ameaças novas surgem com frequência e os padrões de ataque são modificados intencionalmente por agentes adversos.

Além disso, a IA pode gerar alucinações, que são as respostas completamente falsas, mas com aparência coerente, plausível e até confiável. Esse fenômeno decorre da natureza probabilística da geração de texto por LLMs: o modelo seleciona tokens com maior probabilidade de coerência, mesmo que a informação gerada não tenha base factual. Em gestão de riscos isso pode levar a erros críticos como: a subestimação de riscos relevantes por ausência de correlação com incidentes anteriores, a rRecomendação de protocolos inadequados a uma situação real, e a classificação errada de um evento como “baixo impacto”, resultando em inação e a geração de relatórios com dados incorretos ou suposições infundadas.

Tais falhas são perigosas porque tendem a ocorrer em contextos de baixa supervisão humana ou em operações altamente automatizadas, especialmente sob pressão de tempo. A mitigação exige o uso de arquiteturas como Retrieval-Augmented Generation (RAG), que permitem ao modelo acessar fontes atualizadas e confiáveis no momento da geração de resposta. Também é necessário implementar camadas de verificação técnica, com mecanismos que validem automaticamente os fatos usados na análise, e alerte para inconsistências ou baixa confiabilidade e bloqueiem ações críticas até que validação humana ocorra.

Esses controles devem estar alinhados à criticidade do uso: quanto mais alto o impacto potencial da decisão, maior deve ser o nível de supervisão e validação antes da ação.

Confiança cega e ausência de verificação e o risco de delegação excessiva à IA

A sofisticação crescente das interfaces de IA, com respostas bem formuladas, rápidas e contextualizadas, pode levar os usuários, inclusive especialistas experientes, a desenvolverem excesso de confiança nos outputs gerados, reduzindo a crítica, a verificação e o pensamento analítico. Esse fenômeno, conhecido como automation bias, pode ser especialmente perigoso quando o modelo apresenta alta acurácia em tarefas anteriores e passa a ser considerado infalível por analistas e gestores.

O risco aqui não está apenas na resposta errada da IA, mas na ausência de questionamento por parte dos humanos. Isso pode levar a aprovações automáticas de relatórios de risco sem revisão, e tomadas de decisão com base em recomendações geradas sem lastro em evidências verificáveis e aceitação de premissas ou diagnósticos errôneos como verdades operacionais.

Para mitigar esse risco, é necessário instituir verificações cruzadas automatizadas, camadas de validação supervisionada e protocolos de revisão obrigatória, especialmente em situações de risco alto ou de resposta imediata. Devem ser implementados painéis de confiabilidade dos outputs, com indicadores que alertem o usuário quanto à baixa confiança do modelo naquele tipo de análise, ou quando os dados subjacentes estiverem incompletos.

Além disso a cultura organizacional precisa ser treinada para desafiar a IA, ou seja estimular uma mentalidade de questionamento construtivo, com capacitação para interpretar, criticar e complementar os outputs com bom senso, conhecimento de contexto e avaliação multidisciplinar.

Viés algorítmico e desequilíbrio de representação e os riscos éticos e operacionais

Os modelos de IA refletem os dados com os quais foram treinados. Se esses dados forem enviesados, por exemplo, sub-representarem regiões geográficas, grupos sociais, tipos de risco ou categorias operacionais, o modelo perpetuará esse viés nas suas análises. Isso pode ocorrer mesmo em bases de dados públicas ou empresariais que aparentemente são neutras. O risco do viés algorítmico não é apenas ético, mas operacional: pode levar a decisões desequilibradas, omissão de riscos reais e priorização equivocada de esforços e recursos.

Um exemplo prático é de um modelo treinado com dados majoritariamente europeus pode classificar riscos em países africanos com menor acurácia, levando a subavaliações perigosas. Ou ainda, um modelo de segurança interna treinado com incidentes de furto pode negligenciar riscos associados à violência urbana em contextos onde isso não era frequente nos dados anteriores.

A mitigação exige diversidade e representatividade dos dados de treinamento, alé, de auditorias periódicas de viés algorítmico, e a inclusão de variáveis de contexto e sensibilidade cultural no modelo, com equipes de curadoria humana multidisciplinares.

Além disso a explicabilidade dos modelos deve ser assegurada, com logs de decisão e análises que permitam rastrear como uma classificação foi gerada.

Riscos relacionados à propriedade intelectual e uso indevido de dados

Outro risco frequentemente subestimado diz respeito ao uso de dados protegidos por propriedade intelectual (PI), contratos de confidencialidade ou cláusulas de sigilo no treinamento ou operação de sistemas de IA. Empresas que utilizam LLMs comerciais ou open source correm o risco de alimentar os modelos com documentos internos, informações sensíveis ou dados regulados sem os devidos controles legais.

Há ainda riscos associados ao uso de soluções em nuvem, onde os dados são processados por terceiros. Isso exige cláusulas contratuais específicas com os provedores de IA e nuvem, com auditoria de segurança, segregação lógica de dados, política clara de retenção e garantias de não reuso para outros fins.

Empresas devem manter inventários atualizados de dados utilizados, autorizações formais de uso, mecanismos de monitoramento e respostas rápidas para exclusão, anonimização e denúncia de uso indevido.

Riscos sistêmicos de IA treinada por IA e a amplificação de erro e perda de rastreabilidade

Um povo risco técnico crescente emergente é o uso de IA para treinar outras IAs, que é a prática conhecida como "AI-on-AI training". Embora essa abordagem reduza custos e acelere o desenvolvimento de modelos, ela pode amplificar erros e distorções: se o modelo “professor” apresentar alucinações ou vieses, esses serão incorporados e potencializados no modelo “aluno”, muitas vezes sem possibilidade de rastreamento de origem.

Esse tipo de risco é crítico porque cria o que se chama de falsas verdades algorítmicas, informações geradas por IA, não verificadas, mas que passam a circular como se fossem fatos consolidados, contaminando modelos subsequentes e os outputs futuros. O risco se agrava em domínios sensíveis, como compliance, segurança, decisões financeiras, diagnósticos críticos, etc.

A mitigação exige que as empresas utilizem modelos treinados com supervisão humana real, verificação por especialistas e dados rastreáveis, além de implementar processos contínuos de avaliação de integridade e consistência dos dados gerados e utilizados.

Estrutura de governança e pilares para adoção responsável e eficaz da Inteligência Artificial na gestão de riscos

A incorporação da Inteligência Artificial (IA) à função de gestão de riscos, especialmente em empresas expostas a ambientes operacionais complexos e sujeitos a regulação, exige mais do que capacitação técnica ou compra de ferramentas: requer uma arquitetura de governança robusta, transversal e multidisciplinar, que garanta segurança, confiabilidade, responsabilidade e alinhamento estratégico. Governar a IA significa não apenas controlar seus riscos diretos (como alucinações, viés ou vazamento de dados), mas estruturar o seu uso de modo que contribua de forma legítima e eficaz para os objetivos da empresa, respeitando os limites éticos, legais e organizacionais aplicáveis.

Essa estrutura de governança deve ser desenhada com base em cinco pilares fundamentais: estrutura institucional clara para IA; políticas e diretrizes formais; colaboração interfuncional contínua; mecanismos de validação e supervisão técnica dos modelos; e cultura organizacional preparada para compreender e questionar a IA.

Estrutura institucional clara e os papéis, responsabilidades e accountability

O primeiro pilar de uma boa governança de IA em riscos é a definição clara de estruturas, papéis e responsabilidades. Isso implica institucionalizar a IA como um componente crítico dos sistemas de gestão, com atribuições explícitas, níveis de autoridade, processos de escalonamento e mecanismos de accountability. A função de riscos deve coordenar, mas não monopolizar, o uso da IA: é essencial envolver áreas como tecnologia, jurídico, compliance, segurança da informação, dados, auditoria e unidades de negócio.

Empresas maduras têm criado Comitês de Governança de IA com composição multidisciplinar, responsáveis por revisar propostas de novos usos de IA na função de risco, e avaliar riscos regulatórios e éticos associados, além de validar critérios de aceitação de modelos (thresholds mínimos de acurácia, sensibilidade e especificidade), e acompanhar os riscos emergentes da própria IA, assim como supervisionar a adesão a políticas internas, normas legais e frameworks internacionais (ex: NIST AI RMF, ISO/IEC 42001, OECD AI Principles).

Além disso é necessário nomear funções formais como AI Risk Officer (dedicado à supervisão de riscos oriundos da IA), AI Ethics Lead (foco em impactos sociais, vieses e responsabilidade algorítmica) e responsáveis técnicos pelos modelos (AI Model Owners), com poder e responsabilidade definidos.

Políticas e diretrizes formais: regras, critérios e limites

A governança da IA exige a elaboração de documentos normativos que formalizem sua aplicação, limites e controles, que são:

  • Política corporativa de uso de IA: documento-base que define os princípios, objetivos, requisitos mínimos e restrições aplicáveis a qualquer aplicação de IA na empresa;

  • Diretrizes técnicas para desenvolvimento, validação e implantação de modelos: com critérios para seleção de dados, avaliação de viés, rastreabilidade, testes de robustez, definição de escopo e ciclo de vida do modelo;

  • Normas de classificação e uso de dados sensíveis: especificando quais dados podem ser usados na IA, com quais níveis de anonimização, em quais contextos, e com quais controles de acesso e rastreamento;

  • Requisitos regulatórios e de compliance aplicáveis: como conformidade com a LGPD, Sarbanes-Oxley, regras de Basileia, dentre outros, conforme o setor.

Essas políticas devem estar integradas ao framework de controles internos da empresa, com previsão de auditorias periódicas, planos de resposta a incidentes e mecanismos de revisão contínua.

Colaboração interfuncional e a orquestração integrada e fluxo decisório seguro

A IA em gestão de riscos não é um projeto de tecnologia, mas uma iniciativa de impacto estratégico transversal. Por isso, o sucesso da sua implementação depende da criação de fluxos decisórios colaborativos, com participação ativa de diferentes áreas e competências.

Por exemplo o jurídico garante que os usos estejam dentro dos limites legais e contratuais, a TI e a segurança da informação asseguram a arquitetura técnica, segurança de dados e conformidade com as políticas de rede e acesso, a área de compliance valida a aderência aos regulamentos e avalia os impactos reputacionais e regulatórios, as unidades de negócio contextualizam os modelos, orientam a aplicação dos outputs e testam a relevância prática das recomendações, a alta liderança assegura que o uso da IA esteja alinhado à estratégia, à cultura e aos objetivos corporativos.

Esse modelo colaborativo deve ser sustentado por fóruns permanentes de coordenação (como Comitês de IA), RACI claros por tipo de modelo e tipo de risco, e canais de comunicação que permitam revisão, contestação e feedback contínuo.

Validação técnica e supervisão contínua dos modelos

Governança eficaz também exige mecanismos robustos de verificação da qualidade, acurácia e integridade dos modelos utilizados. É imprescindível que os modelos passem por ciclos regulares de avaliação técnica, tanto antes da implantação quanto em regime contínuo, com validação cruzada entre modelos, auditorias técnicas independentes e análise de performance em produção.

Entre os critérios mínimos de validação recomendados são:

  • Acurácia, sensibilidade e especificidade, com métricas de erro calibradas conforme o risco da decisão suportada;

  • Análise de viés e representatividade dos dados, com avaliação de impacto em grupos minoritários, países, produtos ou segmentos subrepresentados;

  • Explicabilidade (explainability): modelos devem ter interpretabilidade mínima, seja por meio de SHAP values, LIME ou regras estruturadas que permitam entender a lógica de decisão;

  • Acompanhamento de drift de dados e drift de conceito, ou seja mudanças nos padrões dos dados ou nos significados dos indicadores ao longo do tempo;

  • Auditoria de logs e rastreamento de decisões, com trilhas que permitam entender quem usou o modelo, com qual entrada, em que contexto, e qual foi o output.

Empresas mais maduras criam Model Risk Management Frameworks (MRMF) específicos para IA, inspirados nas normas do Federal Reserve (SR 11-7) e nos padrões do Banco Central do Brasil (Resolução CMN nº 4.557 e Circular nº 3.846), adaptando-os ao ciclo de vida dos modelos de IA e suas características não determinísticas.

Cultura organizacional e capacitação e a preparar pessoas para IA

Nenhum modelo de governança se sustenta sem uma cultura organizacional preparada para lidar com IA de forma crítica, informada e segura. Isso significa formar uma base sólida de capacitação, awareness e responsabilidade individual no uso de ferramentas baseadas em IA.

As principais diretrizes nesse campo são:

  • Programas de capacitação em ética e riscos da IA, com treinamentos específicos para usuários finais, analistas, gestores e conselheiros;

  • Material didático e documentação acessível, explicando os modelos utilizados, suas limitações, os critérios de decisão e os canais de dúvida e contestação;

  • Campanhas de comunicação interna que reforcem a ideia de que a IA é uma ferramenta de apoio, não uma substituição do julgamento humano;

  • Processos de validação coletiva, com revisões em grupo, revisão por pares e testes cegos para evitar viés individual;

  • Mapeamento de riscos de cultura e comportamento, como complacência algorítmica, confiança cega e uso indevido de outputs.

A cultura organizacional deve estimular uma mentalidade de questionamento construtivo, onde os colaboradores sintam-se autorizados e incentivados a validar, revisar e até contestar as decisões sugeridas por modelos automatizados.

Boas práticas para ampliação do engajamento, adesão e usabilidade de plataformas de risco baseadas em Inteligência Artificial

Um dos principais desafios enfrentados por empresas que adotam sistemas de gestão de riscos baseados em Inteligência Artificial (IA) não está na modelagem técnica ou na arquitetura de dados, mas sim na adoção efetiva pelos usuários finais. sejam eles colaboradores em campo, gestores operacionais, times de suporte ou executivos de áreas de negócio. Ferramentas sofisticadas, alimentadas por modelos de machine learning e sistemas de inteligência preditiva, perdem grande parte de seu potencial se não forem utilizadas ativamente por quem opera na linha de frente, especialmente em contextos onde a resposta humana é crítica, como viagens internacionais, gestão de incidentes, monitoramento logístico e resposta a crises.

A adesão a essas plataformas depende de múltiplos fatores: interface amigável, clareza das informações, confiança nas recomendações geradas, integração fluida com os sistemas já utilizados, percepção de utilidade prática no dia a dia, e especialmente personalização da experiência para o contexto individual de cada usuário. A IA nesse ponto pode ser tanto um diferencial positivo (quando utilizada para automatizar e personalizar a experiência), quanto um obstáculo (quando gera complexidade, conteúdo técnico demais ou falta de empatia digital).

Vou tentar detalhar agora alguns pontos sobre a usabilidade e engajamento com plataformas de gestão de risco baseadas em IA, com foco especial no uso corporativo em ambientes de viagem, segurança pessoal, resposta a emergências e canais de reporte.

Interfaces assistidas por IA e os chatbots, assistentes digitais e orientação contextual

Uma das aplicações mais promissoras da IA para aumentar a adoção de plataformas de risco é o uso de assistentes conversacionais inteligentes, treinados com políticas internas da empresa, mapas de risco, fluxos de resposta e bases de conhecimento organizacionais. Esses sistemas, baseados em LLMs com modulação semântica, permitem que usuários interajam com as plataformas de forma simples, por meio de linguagem natural, sem necessidade de treinamento técnico prévio.

Um colaborador prestes a embarcar para um destino internacional pode, por exemplo, perguntar diretamente ao sistema: “É seguro visitar a região central de Bogotá esta semana?”. O chatbot, ao cruzar dados atualizados da base de inteligência, alertas recentes, informações do consulado e registros internos da empresa, pode responder em segundos, incluindo: status do risco local; recomendações personalizadas com base no perfil da viagem; e instruções sobre como agir em caso de incidente; e (iv) opções de contato direto com o time de segurança.

Além disso esses assistentes podem guiar o usuário pelo protocolo de reporte de incidentes, explicando passo a passo como registrar um caso de assédio, roubo, problema de saúde ou ameaça física, e responder perguntas frequentes (FAQs) sobre políticas de viagem, coberturas de seguro, normas locais e procedimentos da empresa, e emitir lembretes personalizados sobre check-ins obrigatórios, atualizações de risco, horários de toque de recolher e requisitos de documentação.

A experiência conversacional, quando bem desenhada, reduz a fricção no uso da ferramenta, aumenta a sensação de controle por parte do colaborador e melhora a eficácia da função de risco ao obter informações mais precisas, tempestivas e acionáveis.

Personalização da experiência e a IA como vetor de contextualização individual

Plataformas de risco que oferecem conteúdo genérico e despersonalizado tendem a ser ignoradas pelos usuários. A IA permite modelar a experiência digital conforme o perfil individual, levando em conta variáveis como: país de destino, idioma, tipo de atividade, cargo, histórico de viagens, padrão de engajamento anterior e sensibilidade a riscos.

Por exemplo um gestor de operações em campo, que atua em regiões de alto risco, pode receber notificações mais frequentes e detalhadas, enquanto um executivo de nível sênior pode visualizar briefings resumidos, com foco em impacto estratégico. Um colaborador em missão técnica pode receber recomendações sobre vestimenta, comportamento cultural e locais evitáveis, enquanto uma equipe de vendas pode receber alertas apenas em caso de degradação súbita do ambiente operacional.

Esse nível de personalização é viabilizado por modelos de recomendação baseados em histórico de navegação e engajamento, e algoritmos de priorização de conteúdo conforme perfil de risco do usuário e sistemas adaptativos de notificação, que ajustam a frequência e a urgência com base no contexto operacional.

A percepção de relevância gerada por essas soluções é um dos principais fatores de aumento da adesão, quanto mais útil e específico o conteúdo, maior o uso voluntário e proativo da plataforma.

Simplificação da navegação e integração com ecossistemas internos

Outro fator essencial para ampliação do uso de plataformas de risco é a integração com os sistemas corporativos já utilizados no dia a dia dos usuários, como aplicativos móveis de viagem, sistemas de RH, plataformas de comunicação interna (Teams), aplicativos de CRM ou soluções ERP. A IA pode atuar como camada de intermediação, conectando diferentes sistemas e centralizando a experiência do usuário.

Exemplos de boas práticas isão: um alerta de segurança emitido via IA ser automaticamente compartilhado no app de viagens do colaborador, com sugestão de alteração de rota ou reembolso facilitado uma notificação de risco regulatório surgir diretamente no sistema de contratos ou procurement, alertando para uma nova exigência de compliance no país fornecedor ou um relatório de risco semanal ser inserido no painel do time executivo dentro do sistema de BI da empresa.

Além disso o design das plataformas deve ser simplificado, com menus intuitivos, linguagem acessível, tempo de resposta rápido e feedback instantâneo. A IA pode apoiar esse design dinâmico por meio da análise de uso, identificando os caminhos mais utilizados, gargalos na navegação e conteúdos de maior relevância, e ajustando a interface com base nesses padrões.

Educação digital e confiança no sistema e reduzir fricções e promover segurança psicológica

A adesão a plataformas baseadas em IA também depende da confiança que os usuários depositam no sistema. Se a ferramenta for percebida como invasiva, falha, desnecessária ou difícil de usar, a adesão será baixa, mesmo que a IA seja tecnicamente sofisticada.

É fundamental portanto que as empresas invistam em campanhas de educação digital e treinamento prático, mostrando como a ferramenta funciona, quais dados utiliza, como protege a privacidade, em que situações gera alertas e como deve ser utilizada em contextos críticos. Essa transparência cria um ambiente de confiança e reduz resistências psicológicas, especialmente entre colaboradores com menor familiaridade tecnológica ou que já tenham vivenciado experiências negativas com plataformas corporativas mal implementadas.

A IA também pode ajudar a construir essa confiança ao justificar suas recomendações de forma clara (“esta região foi classificada como de risco elevado porque…”, “a recomendação de evacuação se baseia nos seguintes fatores…”), e permitir que o usuário dê feedback sobre a qualidade da informação recebida (“esta recomendação foi útil?”), ou ainda explicar seus próprios limites, informando quando a recomendação é incerta, baseada em dados parciais ou exige validação humana.

Esse tipo de abordagem, centrada na transparência e no empoderamento do usuário, é decisiva para construir cultura de risco e engajamento proativo.

Armadilhas, falhas e riscos técnicos mais comuns na integração da Inteligência Artificial à gestão de riscos e como evitá-los desde a concepção

A incorporação da Inteligência Artificial (IA) à função de gestão de riscos traz consigo não apenas promessas de melhoria operacional, mas também uma série de armadilhas técnicas e estruturais que, se não reconhecidas e mitigadas desde o início, podem comprometer os objetivos da iniciativa, gerar falhas críticas e aumentar, em vez de reduzir, a exposição da empresa a eventos adversos. Essas armadilhas não decorrem apenas de falhas de modelagem ou programação, mas de decisões equivocadas ao longo de todo o ciclo de vida da solução: concepção, treinamento, validação, implantação, supervisão e atualização contínua.

É fundamental que os profissionais responsáveis pela integração da IA estejam cientes dessas armadilhas, adotando práticas preventivas robustas, combinando conhecimento técnico, governança corporativa e envolvimento multidisciplinar. Vou tentar detalhar abaixo algumas das principais falhas recorrentes, explicando suas causas, impactos e mecanismos de controle.

Falha 1: Modelos treinados com dados irrelevantes, enviesados ou desatualizados

A qualidade dos outputs de qualquer modelo de IA depende diretamente da qualidade, representatividade e atualidade dos dados utilizados em seu treinamento. Uma das armadilhas mais comuns é utilizar bases de dados históricas limitadas, desbalanceadas ou obsoletas, que não representam adequadamente a diversidade de riscos, eventos e contextos que a organização enfrenta. Isso leva a modelos com “visão estreita”, que ignoram variáveis relevantes, superestimam padrões espúrios e reproduzem vieses institucionais inconscientes.

Além disso, em setores dinâmicos como segurança, geopolítica, risco cibernético ou clima extremo, padrões históricos perdem validade rapidamente. Modelos treinados com dados de 5 anos atrás podem ignorar completamente novas formas de ataque, eventos pandêmicos, mudanças legislativas recentes ou reorganizações de cadeias de suprimento globais.

Para mitigar esse risco a dica é:

  • Implementar processos rigorosos de curadoria de dados de treinamento, com validação estatística, representatividade por região, segmento e categoria de risco;

  • Adotar abordagens de treinamento contínuo (online learning) ou atualização periódica supervisionada;

  • Incorporar bases externas confiáveis e fontes OSINT de alta frequência, atualizadas e auditadas;

  • Criar comitês de validação de dados de entrada, com participação de especialistas de diferentes áreas, para revisão crítica das premissas que sustentam o modelo.

Falha 2: Excesso de confiança nos outputs do modelo e ausência de validação humana

Outra armadilha grave é a delegação irrestrita da tomada de decisão ao modelo de IA, sem implementação de barreiras de validação ou revisões humanas obrigatórias. Esse problema, chamado de automation bias, ocorre com frequência quando os usuários, impressionados com a velocidade e fluidez das respostas da IA, passam a assumir como corretos os outputs, mesmo quando há sinais de inconsistência, ambiguidade ou incerteza.

Em contextos de risco elevado, como classificação de nível de ameaça, tomada de decisão emergencial ou recomendações de comunicação em crises, isso pode gerar decisões desastrosas baseadas em alucinações, dados incompletos ou interpretações erradas de contexto.

Para evitar esse problema é essencial:

  • Definir níveis de confiança mínimo por tipo de uso, com thresholds de confiabilidade técnica que ativam alertas ou bloqueiam decisões automatizadas;

  • Instituir revisões obrigatórias por humanos em todos os casos críticos ou de alto impacto, com protocolos de dupla verificação e checklists estruturados;

  • Utilizar dashboards de confiabilidade do modelo, com métricas de acurácia, dispersão de probabilidade e índices de ambiguidade que orientem a interpretação do usuário;

  • Promover capacitação contínua dos usuários, reforçando o papel da IA como apoio à decisão e não como substituto do julgamento humano.

Falha 3: Falta de explicabilidade (explainability) e rastreabilidade (traceability) dos modelos

Modelos de IA especialmente redes neurais profundas e LLMs tendem a operar como “caixas pretas” do ponto de vista da lógica decisória. Quando a empresa não consegue explicar como uma determinada recomendação foi gerada, com base em quais dados e inferências, há um risco severo de perda de confiabilidade, dificuldade de auditoria e impossibilidade de responsabilização em caso de erro.

Em setores regulados a ausência de explicabilidade pode configurar não conformidade legal, especialmente quando o modelo influencia decisões que impactam pessoas (como avaliações de segurança, restrições de acesso ou classificação de incidentes).

As melhores práticas são:

  • Adoção de ferramentas de interpretação de modelos, como SHAP (Shapley Additive Explanations), LIME (Local Interpretable Model-Agnostic Explanations) ou attention layers nos LLMs;

  • Criação de logs detalhados de decisão, com trilhas de auditoria que documentam a origem dos dados, os parâmetros do modelo e as variáveis mais influentes na resposta;

  • Utilização de painéis de explicação visual, com rankings de fatores de risco, pesos atribuídos e comparações com benchmarks;

  • Avaliação periódica de compliance algorítmico por comitês independentes ou times de auditoria.

Falha 4: Treinamento de IA com dados gerados por outras IAs (AI-on-AI training) sem validação crítica

Uma tendência recente e perigosa na construção de modelos é o uso de dados sintéticos ou gerados por outras IAs como parte do treinamento de novos modelos. Essa abordagem, embora útil para simular cenários, ampliar bases ou acelerar experimentação, cria um risco sistêmico de contaminação circular de erros: se o modelo original apresentar alucinações, vieses ou distorções, esses serão absorvidos e amplificados pelas IAs subsequentes — sem que se consiga rastrear a origem do erro.

Esse fenômeno, chamado de model collapse, pode comprometer toda a integridade da cadeia de decisão automatizada, principalmente se não houver camadas humanas de verificação ou se a IA estiver sendo utilizada em decisões críticas.

A mitigação exige:

  • Garantir que a maior parte dos dados de treinamento venha de fontes humanas, auditadas e verificáveis;

  • Classificar e documentar a origem de cada conjunto de dados, com tags de confiabilidade, tipo de origem (humana vs. IA) e nível de revisão;

  • Utilizar IA generativa apenas para complementar conjuntos sob supervisão, nunca como fonte principal ou não validada para decisões sensíveis;

  • Implementar camadas de verificação semântica automática, que confrontem os outputs com bancos de dados confiáveis e alertem para inconsistências.

Falha 5: Implantação em ambientes operacionais sem ajuste ao contexto real da empresa

Outro erro recorrente é a implantação de modelos genéricos, adquiridos prontos (off-the-shelf), sem a devida adaptação à realidade organizacional, aos processos internos, à estrutura de dados e às peculiaridades operacionais da empresa. Essa desconexão gera frustração nos usuários, baixa usabilidade, perda de confiança no sistema e aumento da dependência de “workarounds” manuais.

Por exemplo, uma IA treinada para classificar riscos geopolíticos com base em dados de uma empresa do setor de energia pode não capturar corretamente os riscos relevantes para uma multinacional de bens de consumo com foco em supply chain e distribuição urbana.

A solução passa por:

  • Fazer ajustes finos (fine-tuning) dos modelos com dados internos da empresa;

  • Realizar provas de conceito (PoCs) e testes-piloto em contextos operacionais reais, com feedback dos usuários;

  • Conduzir workshops de co-design com as áreas operacionais, para alinhar a lógica do modelo aos fluxos e terminologias da empresa;

  • Criar um ciclo de aprendizado contínuo, onde os dados gerados em produção sejam usados para reavaliar e refinar o modelo com frequência.

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